quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Vaidade Obsessiva


Vaidade em excesso é doença


Andrea Miramontes e Guilherme Bryan - Folha Universal


Numa sociedade que supervaloriza a aparência física e a beleza, a busca pelo corpo considerado perfeito é uma constante na vida de milhares de pessoas que não gostam da própria imagem no espelho. A vaidade em excesso lota academias de ginástica e, às vezes, leva as pessoas a irem além, submetendo-se às mais diferentes técnicas de modificação do corpo. Segundo o jornal francês “Liberation”, o Brasil é um dos países onde mais se realizam cirurgias plásticas. Em 2008, foram 629 mil, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, sendo a maior parte de cirurgias estéticas. Quando o descontentamento com o corpo chega ao extremo, ele pode ser sinal de um distúrbio psíquico denominado Transtorno da Imagem Corporal. 


Segundo levantamento realizado em 2005, a partir da aplicação de um questionário pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) a 164 estudantes de medicina, a incidência do transtorno era maior em mulheres, 25%, do que em homens, apenas 7%. 


“Os transtornos de imagem mais comuns são anorexia, bulimia e vigorexia. A pessoa olha no espelho e se vê diferente. Você pede a alguém com o distúrbio, e notoriamente magro, que desenhe o próprio contorno corporal e essa pessoa se desenha gorda”, explica a psicóloga Mara Pusch, da Unifesp. 


A profissional acrescenta que o transtorno pode ser caracterizado por qualquer exagero na busca de uma imagem ideal, caso das cirurgias plásticas. “Hoje, a plástica está acessível para todos. Por um lado, ela ajuda a corrigir algo que incomoda. Mas, por outro lado, ela vicia. Se ela dá certo, você busca outra e acha defeito até onde não tem”, conta a miss Rio Grande do Sul 2009, Bruna Felisberto, de 22 anos, vítima de plástica mal-sucedida no nariz (veja mais no texto ao lado). Felizmente, ela percebeu o exagero e parou muito antes de ficar deformada, sensibilidade que faltou à socialite norte-americana Jocelyn Wildenstein, que teria gasto, segundo tabloides ingleses, 2 milhões de libras (R$ 6 milhões) em plásticas. O objetivo era manter o marido – que a havia trocado por uma modelo russa duas décadas mais jovem –, mas o resultado foi ela ter se tornado uma aberração. 
Dentre os tipos do transtorno, a vigorexia, caracterizada pelo excesso de musculação, é o que está se tornando mais frequente. “O vigoréxico se vê muito fraco e tem uma compulsão por se tornar mais forte, seja através de exercícios físicos ou do uso de drogas, como anabolizantes. Um ambiente que hipervaloriza a estrutura corporal pode deflagrar o distúrbio em quem tem tendência”, analisa Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, cardiologista e fisiologista da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SMBE). 


Segundo o jornal britânico “Daily Mail”, a cantora pop Madonna, de 50 anos, é uma das vítimas do transtorno. Ela dedica pelo menos 3 horas diárias à malhação. “Os músculos de Madonna não são superdimensionados com relação ao de um atleta olímpico, porém o que é incomum é o quanto harmônicos e bem-definidos eles são”, avaliou Martin MacDonald, especialista em “body composition” (composição corporal, em tradução livre) da Universidade de Loghborough, da Grã-Bretanha, à Folha Universal.


A vigorexia, no entanto, é mais comum entre homens, especialmente os de 18 a 35 anos, com baixa autoestima e visão distorcida do próprio corpo. Eles costumam dedicar pelo menos 3 a 4 horas diárias à modelação física. “Os mais propensos são os homens com baixa autoestima, perfeccionistas, com tendência obsessiva-compulsiva, depressiva e de ansiedade. A saída é aceitar o seu tipo de corpo e entender que a mídia promove, frequentemente, imagens não realistas do corpo masculino”, garante o psicólogo clínico Roberto Olivardia, da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. 


Olivardia foi parceiro do psiquiatra Harrisom G. Pope, da mesma universidade, que cunhou o termo vigorexia, ou Síndrome de Adônis, em 1993, num estudo que descobriu que, de nove milhões de pessoas adeptas da musculação, um milhão poderia sofrer dessa patologia, provocando a elevação da taxa de suicídios. Outro dado do estudo foi a prevalência do transtorno em 10% dos atletas e em 84% dos fisiculturistas competidores. 


“O indivíduo com vigorexia se percebe com o corpo pequeno e fraco e, por isso, desiste de outras atividades importantes na vida para manter uma rotina de treinos. Conheço um rapaz que nadava de camiseta, pois achava que era muito magro e que, se fosse forte, teria felicidade. Porém, quem tem a beleza e o corpo como foco se frustra e pode ter depressão”, conta a psicóloga Juliana Accioly Gavazzoni, especialista em vigorexia e mestre em análise do comportamento pela Universidade Estadual de Londrina, no Paraná. 


Como consequência, a pessoa pode sofrer com irritabilidade, dificuldade de concentração, desinteresse sexual, fadiga persistente, perda do apetite, maior suscetibilidade a infecções e incidência de lesões musculares, além de problemas físicos nos ossos e articulações. Alguns desses sintomas se manifestaram no rapper norte-americano Eminem, que declarou estar obcecado por exercícios cardiorrespiratórios. “Os vigoréxicos apresentam comportamento de dependência de exercício com crises de abstinência quando impedidos da prática. Semelhante a outros transtornos, como bulimia e anorexia, a negação faz parte do quadro clínico. A aceitação de que apresenta o transtorno é o primeiro passo para se tratar”, garante o professor Vladimir B. Modolo, do Centro de Estudo em Psicobiologia do Exercício, da Unifesp. 


O efeito provocado pelos exercícios físicos para algumas pessoas pode ser tão poderoso quanto as drogas. Em agosto, pesquisadores da Universidade Tufts, nos Estados Unidos, descobriram que ratos que praticavam exercícios tiveram sintomas de abstinência iguais àqueles apresentados por viciados em heroína. 


Outro estudo, feito pela Universidade de Massachussets, nos Estados Unidos, em 2003, tinha apresentado resultado semelhante. Ainda não há pesquisas comprovando a relação com seres humanos. De qualquer forma, há especialistas que acreditam que a vigorexia deva ser cuidada com a mesma seriedade destinada aos tratamentos para dependentes químicos, uma vez que os exercícios provocam a mesma sensação de prazer e dependência.

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